segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Idéias centrais de artigo publicado em 1935, numa série de oito edições do periódico “Aktion” em Porto Alegre de 1933 a 1936, em alemão.



"Tolstoi e o reconhecimento do anarquismo” – Pierre Ramus
Alceu João Gregory

Segundo o autor Pierre Ramus, a ciência teria a fama de ‘esclarecer’ as pessoas. Mas levando-se em conta que ela oferece esse esclarecimento apenas em forma de hipóteses negativas ou positivas, o povo não teria condições de experimentá-las nem de entendê-las, de modo que não significariam para este nenhuma renovação espiritual nem de consciência crítica. Quantas pessoas estariam em condições de estudar a teoria da criação de Kant e Laplace? Quantos conseguiriam compreender a teoria de Einstein sobre a relatividade? Ou a origem das espécies de Darwin? E aqueles que entenderiam estas coisas, o que saberiam sobre o direito de igualdade de todas as pessoas e raças? Da solidariedade como compromisso de vida da humanidade? Do objetivo principal do ‘eu’ na plena realização de uma vida livre?
A grande maioria dos acadêmicos nada saberia sobre isso. Ou o que é pior: não estariam interessados em saber, porque a sua pseodociência os conduz para uma interpretação meramente mecânica, onde não há espaço para uma inteligência emotiva, de modo que seriam os cientistas que combatem o direito da humanidade na medida em que estariam dando crédito às idiotices das autoridades. Estariam glorificando a brutalidade da violência e do poder, aplaudindo a vitória do mais forte sobre o mais fraco.
O autor questiona a capacidade da ciência de elevar a consciência social ao nível de não reincidir sempre nos mesmos erros, pois o abismo entre a ciência ensinada nas universidades e a que é oficialmente praticada pelo estado seria irreconciliável, assim como o isolamento do povo frente a uma cultura crítica.
Para Pierre Ramus, o grande legado de Tolstoi para a história universal da humanidade estaria em ter mostrado que o caminho do assim denominado ‘esclarecimento’, da ‘formação’ e da ‘educação científica’ para alcançar a verdadeira liberdade passaria na verdade por um grande descaminho, pois quando se imagina ter chegado ao objetivo, só então se percebe o quanto ainda há a ser percorrido.
Como ilustração das ideias de Tolstoi, Pierre Ramus cita a Alemanha de 1935. A esta época não haveria povo mais ‘esclarecido’ do que o alemão. Praticada a gerações, a obrigatoriedade escolar, teria erradicado o analfabetismo. Nenhum povo teria uma literatura tão vasta e tão divulgada; talvez o povo alemão fosse o mais letrado do mundo. Mas nem por isso – ou por isso mesmo – foi vítima dos engodos de um ditador como Hitler. A Alemanha estaria tolerando e suportando a bestialiadade e a desumanidade do nazismo.
A partir deste ponto o autor passa a buscar as razões de tal situação. A única explicação cabível seria esta: O Império Alemão, a Prússia e a República de Weimar seriam produtos de uma tendência de desenvolvimento, que em sua construção autoritária, apesar do seu intelectualismo, teria criado seres desalmados, destruindo seu senso de autocrítica até o ponto de fazer de seus cidadãos meros objetos mecânicos de obediência. Este feito só se tornara possível na medida em que Hitler teria conseguido afastar o povo alemão das autênticas raízes cristãs, sejam elas católicas ou protestantes.
Como se já não bastasse, o esvaziamento dessas religiões através dos ritos, cerimônias e dogmas, Hitler as teria levado ao ponto de serem escravizadas pelo estado. Com razão teria o fanatismo nazista consciência na sua brutalidade de que o Cristianismo autêntico não toleraria qualquer autoritarismo, violência, imperialismo, injustiça, difamação humana, muito menos extermínio.
Neste sentido o Nazismo teria conduzido as massas, facilmente manipuláveis, a um ardor fanático, em prol de uma guerra santa, onde o sacrifício na busca dos objetivos ter-se-ia tornado incondicional. Tolstoi seria o primeiro a ter descoberto o calcanhar de Aquiles da violência, do poder, da autoridade e do domínio. Todos eles teriam como fundamento forças ditas sobrenaturais que prometem a santidade. Seria a teologia que em nome da religião, envolta em mistérios, impenetrável ao espírito popular, que estaria promovendo esta santificação da violência, do poder e do sacrifício. Somente na medida em que o ser humano, desde sua juventude recebe da religião os ensinamentos de obediência perante o poder, o domínio, a violência, a autoridade, ele seria uma obra perfeita do seu criador. Só esta ideologia seria capaz de manter a ordem universal dos estados, da exploração monopolista e da guerra.
O principal mérito de Tolstoi estaria em ter mostrado em suas reflexões que o fundamento de todas as instituições autoritárias repousa sobre uma mentira, ensinada a todas as pessoas. Enquanto acreditarem nesta mentira não seriam livres, pois funcionariam como instrumentos das autoridades e de suas necessidades. Esta mentira consistiria basicamente em uma monumental falsificação do que formaria o verdadeiro sentido e objetivo do cristianismo. Tratar-se-ia de uma falsificação histórica universal do cristianismo, na qual os elementos de visão de mundo do paganismo e do mosaismo reconhecem ambos o domínio, a submissão, a violência, a guerra, como algo agradável a Deus e como necessário; e tudo isso em nome de um cristianismo mumificado sob a tutela do catolicismo e do protestantismo. Apenas o anarquismo estaria em condições de colocar em prática os autênticos valores do cristianismo, já que visa uma organização social sem a interferência de um poder central.
Segundo o autor, Tolstoi é aquele que pela primeira vez teria revelado esta monstruosa falsificação da ideia de Deus e do cristianismo. Em seus ensaios “Mein Glauben” (“No que acredito”), “Kurze Darlegung des Evangeliums” (“Apresentação sucinta dos Evangelhos”), “Kritik der Teologie” (“Crítica à Teologia”) ele teria revelado à humanidade um novo e verdadeiro cristianismo que teria como eixo central a inteligência, capaz de conduzir o ser humano a um mundo pacífico. Cristo não seria superior a outros profetas, como por exemplo Buda. O conceito de Tolstoi sobre o divino se afastaria de qualquer imaginário metafísico, de qualquer espiritismo, de toda teosofia, de qualquer ocultismo e naturalmente de toda teologia e de todo o clero. >