quarta-feira, 29 de maio de 2013

Assim na terra como no céu

A distância que separa os cristãos deste mundo de Jesus Cristo é a mesma que separa o céu da terra: infinita. Se os questionarmos sobre a culpa desta distância, eles são capazes de apontar para o próprio Jesus Cristo: como se ele não quisesse estar aqui em carne e osso. Visto que este argumento é uma hipocrisia, na sua segunda tentativa de defesa o cristão deste mundo aponta para os outros, dizendo: “Como Cristo não pode ser o culpado pela distância que o separa de nós, então a culpa é de todos estes que não o querem aqui.”
O cristão fiel aos ensinamentos de Cristo tem outra postura. Visto que o julgamento não pode ser coletivo, chegou a hora de apontar o dedo para mim mesmo: qual é a distância que me separa de Cristo? Como alguém ousa dizer que o Reino de Deus não está em mim? E se eu mesmo não posso afirmar ‘Eu sou o Reino de Deus’ quais são as razões? Se não vivo conforme as leis do Reino de Deus, então cabe-me justificar-me perante mim mesmo. Mas se vivo de acordo com suas leis e isto ninguém pode me tirar, pergunto então, se reduzi em mim a distância entre o céu e a terra a zero, se as leis de Jesus Cristo são as mesmas que estão em mim, se, portanto, também reduzi a distância entre ele e eu a zero, se desta forma transformo o céu e a terra em um só em mim e se Jesus Cristo e eu por consequência formamos um só espírito e um só corpo, por que razão duvidam de mim? Por que não me tomam pelo verdadeiro?
Haveria aqui uma coincidência com a passagem bíblica, na qual Jesus fala daquele, que, encontrando-se no inferno, pede ao pai Abraão que mande alguém do céu até seus parentes para alertá-los, e que assim possam arrepender-se e salvar suas vidas; Abraão então responde: se eles não acreditam nos vivos, tampouco vão acreditar em alguém, mesmo que este ressuscite dentre os mortos. Não é então Jesus Cristo este que ressuscitou dos mortos? E necessariamente terá de ser um de nós? Como é possível que não o estamos reconhecendo em nós mesmos?

sábado, 18 de maio de 2013

Crítica à sociedade moderna em O Defensor do Esterco


GREGORY, Alceu João (UNESP)

RESUMO
O autor alemão Peter Rühmkorf (1929-2008) publicou em 1983 uma coletânea de treze contos modernos com o nome O defensor do esterco: contos esclarecidos. Em seus ensaios e discursos podemos perceber um herdeiro do iluminismo que procura por meio de sua poesia refletir sobre os direitos humanos e a sua preocupação para promovê-los através do uso de recursos literários.
Ele é frequentemente citado como “cantador popular artístico”, “iluminista engraçado”, “linguista subversivo” que narra para nós “contos esclarecidos”. Ele pretende mostrar-nos um dos caminhos da literatura contemporânea: “um espaço utópico, onde se pode respirar com maior liberdade, onde se pode sentir com mais intensidade e pensar de modo mais radical, sem ficar devendo nada ao assim denominado mundo real.”
O autor figura entre os mais importantes líricos e ensaístas da literatura alemã contemporânea, dedicou-se nos últimos anos também à prosa. Em sua coletânea serve-se do antigo gênero ‘contos fantásticos’ para trazer ao leitor as suas experiências e esperanças. Nos Contos esclarecidos a lógica se mistura entre o fantástico e o maravilhoso. Os contos estão repletos de alusões e exageros. Percebe-se neles o gosto do autor pela fábula. Já nos títulos O defensor do esterco, A última viagem do Barba Azul, Chapeuzinho Vermelho e o Pele de Lobo, entre outros, insinuam provocações que remetem a ironias em relação ao contexto social e político da atualidade. Neste sentido, queremos investigar como e em que medida a crítica à sociedade moderna se faz presente no primeiro conto que tem o mesmo título do livro e quais os recursos estilísticos utilizados pelo autor para construir esta crítica.
Palavras-chave: Peter Rühmkorf; o defensor do esterco; elementos do fantástico; crítica social.






O protetor do esterco, publicado em 1983, está em sua sexta edição (RÜHMKORF, 2008). Nele se encontram treze “contos esclarecidos”. O primeiro conto, o mesmo do título do livro, nos fala de um rei que, ao dividir a sua herança aos três filhos, deixa ao mais velho todos os seus bens imóveis: terras, florestas, castelos e casas; ao segundo, deixa os seus bens móveis: carroças, cavalos, animais silvestres e aquáticos; para o terceiro resta apenas o monte de estrumes cito na fronteira entre as terras do rei e do reinado vizinho. Os dois mais velhos se riem do terceiro e se compadecem, dizendo que irão fornecer-lhe todo auxílio para que possa limpar os estábulos e manter a terra sempre limpa.
No entanto, logo começam as desavenças. Os dois irmãos não conseguem entrar em acordo sobre o que é móvel e o que é imóvel. Os dois são absolutamente dependentes um do outro. Quando o mais velho derruba as árvores e faz delas uma embarcação, logo o outro reclama os seus direitos. Assim também quando quer recolher os grãos ao celeiro, precisa recorrer ao segundo irmão para carregá-los.
A ideia do pai em relação à divisão era levar os filhos a uma consciência de que dependem um do outro e assim levá-los a uma vida de convivência pacífica. Mas o equívoco do pai quanto à divisão dos bens se evidencia cada vez mais e cria uma rivalidade crescente entre os irmãos. Desalojado pelo mais velho, o segundo irmão arma um exército contra o primeiro para assim garantir o seu direito à moradia e pastagem para seus rebanhos.
Na guerra os dois irmãos põem a perder tanto os bens móveis quanto os imóveis. E quando se dão conta de que estavam no caminho errado, já era tarde para tentar reconduzir as terras à fartura. Nesta luta insana, nem perceberam o irmão mais novo que incansável levava todo o lixo para o seu monte de estrumes.
Tiveram então os dois uma ideia nova: trocaram de posição, o que tinha os bens imóveis passou a administrar os móveis e vice-versa. Alcançaram assim algum progresso, mas não tardou e começaram novamente as intrigas, e desta vez os seus súditos ameaçam abandoná-los.
Diante desta ameaça, os irmãos decidem juntar-se e para amainar a fome da população, escolhem um inimigo comum, fora de suas fronteiras, pois lá haveria terras fartas que poderiam conquistar juntos e dividir entre eles. A população achou esta ideia ótima e apoiou os dois irmãos. Mas quando estes se colocaram em marcha para a fronteira encontraram do lado oeste uma montanha tão alta de lixo e esterco que já não conseguiam cruzá-la. Foram então ter com o irmão mais novo, para que abrisse uma passagem em meio ao esterco para o exército. Este por sua vez se recusa em auxiliá-los e ameaça qualquer um que tenta tocar na montanha de lixo, já que sua função é a de protetor do esterco.
Sem outra opção os irmãos dirigem-se para a fronteira leste, onde não há nenhum obstáculo. Mas ao entrarem em terras estranhas são logo rechaçados por forças muito superiores às deles. Ao invés de anexarem novos territórios, o território deles é que acaba sendo anexado pelo inimigo.
As terras dos dois irmãos já não se prestem mais para muita coisa. Não bastasse isso, agora são os estrangeiros que dão as ordens. Estes ficam pasmos quando do lado oeste encontram a montanha de lixo infindável que se ergue ao céu e onde parece não haver mais vida. Mas lá do alto o defensor do esterco se manifesta e promete afogar na pocilga quem perturbar a paz. Os estrangeiros condecoram-no com uma fita, na qual se lê: “Wo mistus – da Christus” (RÜHMKORF, 2008, p. 15), um trocadilho que sugere a ideia “onde há esterco – aí está Cristo”).
Os estrangeiros que de início foram considerados uma bênção, tornam-se ao longo dos anos um peso insuportável em função dos constantes conflitos, restava ao povo nada mais do que “morrer em paz de fome” (RÜHMKORF, 2008, p. 15). Então enviaram representantes ao irmão mais jovem e pediram a ele que os conduzisse. Depois de ouvi-los pacientemente, ele disse: “Quando chegar a hora! E a hora será quando tudo estiver completamente falido e os estranhos desejarem campos mais promissores.” (RÜHMKORF, 2008, 16).
Conforme previsto pelo defensor do esterco, os estrangeiros retiraram-se. Então começa a distribuição do esterco por toda a terra de Telúria e tudo se refaz. No entanto, a história não termina. O defensor do esterco tem três filhas: Libera, Justine e Suselmusel. “E se elas não forem de papelão...” (RÜHMKORF, 2008, p. 17). Assim a narrativa fica suspensa nas retiscências.
Tanto o início do conto “Era uma vez um rei em Telúria, que tinha três filhos...” assim como o seu final “e se elas não forem de papelão...” remetem-nos ao mundo fantástico do conto de fadas. O mesmo se pode dizer dos personagens: um rei e seus três filhos, assim como a temática da divisão dos bens. Também o tempo e o espaço não estão delimitados e sugerem um mundo mágico.
A divisão dos bens realizada pelo rei é de uma estranheza ímpar. Jamais em lugar algum algo parecido se sucedeu. O conto de Peter Rühmkorf encontra de certo modo seu paralelo em O Gato de Botas dos irmãos Grimm (FISCHER, 1980, p. 33-49). Neste conto, o pai, moleiro, divide sua herança entre os três filhos. O mais velho recebe o moinho (bens imóveis), o segundo, o burro (bem móvel) e o mais jovem recebe o gato (em termos econômicos, sem valor). Do mesmo modo como em O Defensor do Esterco o deserdado acaba por vias do fantástico ascendendo ao lugar mais elevado na hierarquia do poder (VOLOBUEF, 2012).
Segundo o narrador, esta divisão foi muito bem planejada pelo pai, no sentido de tentar unir os filhos que viviam brigando. O filho que possuía os bens móveis era absolutamente dependente daquele que possuía os bens imóveis e este daquele. Os dois, no entanto, dependiam do terceiro, que não possuía nada, o defensor do esterco, pois garantia o recolhimento do lixo.
Embora a narrativa se valha da estrutura do conto de fadas e simule uma situação surrealista, no que se refere ao espaço geográfico, às personagens e ao método absurdo usado na divisão dos bens, já na primeira linha do conto passamos a duvidar deste pretenso distanciamento do mundo real. Ao nos falar de um rei que vivia em Telúria, atinamos de imediato que este espaço se refere à terra. O substantivo Tellurium designa um aparelho com o qual se simulam os movimentos da terra e da lua em torno do sol. Esta harmonia entre os três astros representa no plano do conto o sonho do pai em ralação aos seus três filhos de uma convivência pacífica.
Levando em conta que a narrativa foi escrita em 1983, quando a Alemanha ainda encontrava-se dividida pelo Muro de Berlim e a assim denominada cortina de ferro separava o mundo em dois blocos: o capitalista, do lado ocidental, sob o comando dos Estados Unidos e o socialista, do lado leste, sob a tutela da Rússia, penetramos então o mundo real subjacente ao conto. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, viveu-se a tensão da guerra fria entre esses dois blocos, o que levou a uma corrida armamentista. Na década de oitenta, houve vários protestos contra o tratado da NATO (Organização dos Países do Atlântico Norte), que em 1979 pleiteavam com a União Soviética a redução dos mísseis de curto alcance de ambas as forças. Quando em 1983 essas negociações fracassaram a frustração e a revolta eram gerais. Temia-se que os Estados Unidos estariam tramando uma guerra nuclear concentrada sobre a Europa. Músicos, compositores, escritores e o público em geral manifestavam seu descontentamento.
É dentro deste contexto que Peter Rühmkorf escreve O Protetor do Esterco. Os dois irmãos que tudo herdaram, no entanto, devem ser analisados num contexto mais amplo, quando a Alemanha ainda não era unificada, antes de 1871, havia os estados do norte, protestantes, e os estados do sul, católicos. A unificação se dá quando norte e sul se unem contra o inimigo além fronteiras, primeiro contra a Áustria, depois contra a França, da qual anexam Alsácia-Lorena e celebram o tratado de Versalhes em território francês para a humilhação destes. Os irmãos agora unidos, com Guilherme I e Guilherme II, num militarismo exacerbado, conduzem a Alemanha para a I Guerra Mundial. O tratado de paz de 1919 é desta vez uma humilhação para a Alemanha. Depois de curto período de paz e uma tentativa frustrada de estado democrático com a República de Weimar, instala-se o Nacionalsocialismo e logo tem início a II Guerra Mundial e ao seu final, a Alemanha derrotada tem seus territórios invadidos pelos estrangeiros. Estados Unidos, França e Inglaterra ocuparam o que ficou conhecido como a Alemanha Ocidental e os russos ocuparam o que era a ex-República Democrática Alemã. (SÜSSMUTH, 1990)
O conto de fadas de Peter Rühmkorf é portanto um conto esclarecido, ele tem uma história real e personagens reais. Pode ser lido como a história da Alemanha, mas podemos também entendê-lo como a história da humanidade.
Trata-se no fundo da disputa dos bens existentes na terra. Se pensarmos em termos religiosos, estes irmãos poderiam ser Moisés, Maomé e Jesus Cristo. Moisés seria, em termos de valores, o irmão mais velho, que atualmente corresponde aos judeus e cristãos (supondo-se que os cristãos estejam na prática muito distantes de Cristo); Maomé, o segundo irmão, está para os muçulmanos. Os dois ao longo da história vivem em constante conflito e não conseguem entrar em acordo. Parece que nada sabem senão promover guerras e levar a terra a uma situação cada vez mais degradante. Jesus Cristo, o terceiro irmão, não tem poder algum, pois nada herda, a não ser o monte de estrumes. O trocadilho citado no texto “Wo Mistus da Christus” confirma esta interpretação. Tanto é que ao final da história os estrangeiros o encontram sozinho sobre o monte de lixo que se ergue até os céus. Somente quando tudo virou esterco e quando os impostores já se haviam retirado e os cidadãos se voltam a ele para se deixarem guiar, ele então ordena a distribuição do esterco sobre a terra e tudo volta a brotar e florescer.
Parece que o terceiro irmão está esperando os dois irmãos mais velhos renunciarem e darem uma chance àquele que sempre cuidou do esterco. O estrume que os dois irmãos mais velhos produziam em suas disputas é na verdade o lixo humano. E esse lixo refere-se não só a todos os soldados mortos em batalhas, mas a todos os que no processo foram marginalizados, sejam eles mendigos ou ladrões. O conto sugere a degradação crescente do ser humano e do seu habitat, a terra. Telúria torna-se um locus horrendus onde nada mais resta àqueles que sempre correram de espadas em punho atrás do ouro, da prata, do petróleo, da madeira, das focas e dos rins e por isso se retiram ao final do processo, pois o seu ciclo se esgotou. A voz do terceiro irmão parece alinhar-se com a de Albert de Camus: “Sentido da minha obra: Tantos homens privados da graça? Como viver sem a graça? Devemos nos dedicar a isso e fazer o que o cristianismo nunca fez: ocupar-nos dos malditos” (Apud LELOUP, 2007, introdução). Os dois irmãos mais velhos parecem interessar-se apenas com os lucros. O que dá lucro é bom, o que não tem mercado, não presta. Onde se junta uma grande multidão, aí estão os olhos dos dois irmãos mais velhos. Assim, quando Tolstoi escreve Guerra e Paz, Anna Karenina, eis um grande escritor; mas quando resolve se alinhar à voz do terceiro irmão, com a obra O Reino de Deus está em vós, onde propõe fazer frente à violência com a não violência, inspirando os feitos de um grande pacifista, ninguém menos do que Ghandi, o que diz a crítica? ‘Obra de menor valor de um teor filosófico fraco’. (TOLSTOI, 1994)
Assim os dois irmãos mais velhos delegam para o esterco o que não produz lucros ou o que ameaça as suas façanhas militares. As Forças Armadas dos Estados Unidos têm, hoje, muitas das características de um exército mercenário, qual seja, um exército profissional e pago, até certo ponto separado da sociedade pela qual luta. E quem compõe este exército senão o recrutamento do lixo da sociedade? Em 2004 na cidade de Nova York, 70% dos voluntários da cidade eram negros ou hispânicos, recrutados nas comunidades de baixa renda. A Legião Estrangeira francesa tem uma antiga tradição de recrutar soldados estrangeiros para combater pela França. Embora as leis do país proíbam que a Legião recrute cidadãos fora da França, a internet tornou essa restrição sem sentido. O recrutamento on-line em 13 idiomas atrai, atualmente soldados de todo o mundo. Cerca de um quarto da força atual vem da América Latina, e aumenta a proporção proveniente da China e outros países asiáticos.
Os Estados Unidos terceirizam grande parte das funções militares para a iniciativa privada. Uma das principais companhias privadas é a Blackwater Worldwide, que recebeu mais de um bilhão de dólares em contratos com o governo por seus serviços no Iraque. Muitos membros do Congresso e o público em geral se opõem à terceirização da guerra para companhias com fins lucrativos como a Blackwater (SANDEL, 2012, p. 106-116).
Perguntaria hoje a Peter Rühmkorf, se estivesse vivo, se ao escrever o conto em 1983, estava focado nas duas Alemanhas divididas pelo muro de Berlim ou se na época já estaria retratando uma situação global?
Se estiver se referindo ao contexto alemão, então o seu conto esclarecido já teve um desfecho feliz, pois os mercenários já se retiraram do seu país, os dois irmãos em conflito, a Alemanha Oriental e Ocidental estão unificadas e delegaram o mandato ao terceiro irmão, entenda-se, o povo, que sempre foi oprimido pelos dos irmãos militaristas, agora assume o poder. Mas a história não termina, pois este terceiro irmão teve três filhas: a Libera, a Justine e a Suselmusel. “E se elas não forem de papelão...” O conto se interrompe nas reticências.
O autor suspende a narrativa com o início de um novo reinado e o nascimento de três filhas, sugerindo com a primeira filha (Libera) a liberdade, com a segunda (Justine) a justiça e a terceira (Suselmusel) o amor à beleza e às artes. Mas a sua dúvida persiste, pois elas podem não ser reais. Neste caso, estes novos personagens se enquadram de fato no plano do conto de fadas, representam mais uma vez um mundo fantástico, jamais alcançável. Então estas três que nasceram do esterco não passariam de fadas bruxas e a Ângela Merkel seria a primeira delas.
Notório é como o conto termina substituindo o universo masculino, a força bruta, o militarismo e a guerra, pelo universo supostamente feminino, a liberdade, a justiça e o amor à beleza e às artes. Estes personagens exercem a função do duplo em relação aos três filhos que decepcionaram o rei. Em seu texto datado de 1919, Das Unheimliche, Freud afirma que o duplo – apesar de nos parecer algo de estrangeiro, estranho a nós-mesmos – sempre nos acompanhou desde tempos primordiais do funcionamento psíquico, estando sempre pronto a ressurgir e provocando-nos uma sensação de inquietante estranheza. Este duplo no texto O Defensor do Esterco se configura pela sua oposição ao original na constatação de uma não correspondência de traços ou características afins. (RANK, 2001)
Para aprofundarmos esta questão, a de saber se a Alemanha não está mais uma vez construindo de modo superficial sobre estas supostas fadas, deveríamos perguntar-nos com Adorno: “Como evitar uma nova Auschwitz?” (ADORNO, 2003). E isto implicaria uma análise profunda destes valores. O que é justiça? (SANDEL, 2012) Como criar um espaço, onde o ser humano possa de fato viver em liberdade? Poderia a Alemanha ou qualquer país do mundo ser livre, enquanto houver países, onde as pessoas são oprimidas? As estatísticas da violência no mundo e como ela se processa, parecem indicar que as musas ao final do conto ainda não nasceram e que o terceiro irmão continua trabalhando duro para dar conta das montanhas de lixo intransponíveis e que se agigantam cada dia mais diante de nossos olhos. (GREGORY, 2012)

REFERÊNCIAS:

ADORNO, Theodor. Educação após Auschwitz. Trad. Wolfgang Leo Maar, 2003. Texto on-line acesso em 18/05/2013
http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=179:educacao-apos-auschwitz&catid=11:sociologia&Itemid=22
FISCHER, Gisela. Die schönsten Grimms Märchen. Erlangen: Pestalozzi-Verlag, 1980, p. 33-49
LELOUP, Jean-Yves. Judas e Jesus: Duas faces de uma única revelação. Petrópolis: Vozes, 2007, citação na introdução.
GREGORY, A. J. Da ficção à realidade: O sonho de uma sociedade justa na linha do tempo. São Paulo: All Print, 2012.
RÜHMKORF, Peter. Der Hüter des Misthaufens: Aufgeklärte Märchen. Hamburg: Rowohlt, 2008, p. 7-17
RANK, Otto. Der Doppelgänger. Eine psychoanalytische Studie (1925), Neuausgabe: Wien: Turia & Kant, 1993, 2. Auflg. 2001
SANDEL, Michael. Justiça: O que é fazer a coisa certa. 9. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 106-116.
SÜSSMUTH, Rita. Fragen an die deutsche Geschichte. 16. ed. Bonn: Deutscher Bundestag, 1990.
TOLSTOI, Leon – O Reino de Deus está em Vós. Trad. Celina Porto Carrero. Rosa dos Tempos: Rio de Janeiro, 1994
VOLOBUEF, Karin et alii. Vertentes do Fantástico na Literatura. São Paulo: Ed. Unesp, 2012.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O que significa viver como Jesus viveu?

"Eis como sabemos que o conhecemos: Se guardarmos os seus mandamentos. Aquele que diz conhecê-lo e não guarda os seus mandamentos é mentiroso e a verdade não está nele. Aquele, porém, que guarda a sua palavra, nele o amor de Deus é verdadeiramente perfeito. É assim que conhecemos se estamos nele: aquele que afirma permanecer nele deve também viver como ele viveu." Primeira Epístola Jo. 2,6
Como há várias interpretações plausíveis, vamos tentar aqui propor o que seria uma interpretação justa. Muitos de nós certamente nos consideramos cristãos e fiéis a Cristo, mas diante desta pergunta 'você vive como ele?' e se a resposta for negativa, nos encontraríamos então numa situação delicada, pois passaríamos por mentirosos e seríamos, portanto, cristãos hipócritas.
Como seria então possível depois de dois mil anos sabermos se estamos vivendo como ele viveu? Como descobrir que não estamos seguindo uma doutrina falsa? O melhor método para a investigação é o da autonomia "Por que também não julgais por vós mesmos o que é justo?" Lc 12,57. Cada um julgar por si mesmo o que é justo, parece muito subjetivo e nos levaria a caminhos absolutamente distintos. Mas se tomarmos a justiça como um conjunto de leis que mantêm o mundo em equilíbrio, onde a violência de seres humanos contra seres humanos não se manifesta mais, estaremos com certeza nos aproximando de Jesus Cristo e vivendo conforme ele viveu e deste modo estaríamos, como sugere o filósofo alemão Kant, transformando nossa conduta em uma lei universal. Se, portanto, todo mundo seguir o meu exemplo a terra será libertada de todos os males que a afligiram durante milênios, o Reino de Jesus Cristo, o Reino de Deus, estará estabelecido sobre a terra. Aqueles que riem de mim, aqueles que riram de Jesus Cristo e de todos os que o seguem de fato, já não podem nos ridicularizar, pois nós somos a realidade a qual os opositores negavam e continuam negando com sua própria conduta.
A partir desta reflexão, fica fácil saber se estou nele ou não. Se a minha conduta é a daquele que pode dizer “Eu sou o Reino de Deus”, se a minha conduta é daquele que vive, como se vive no céu, então podem rir de mim, caçoar de mim, falar o que quiserem, mas uma coisa ninguém me toma, eu estou nele e ele está em mim. Na matemática um e um são dois, aqui um mais um continua sendo apenas um. Cristo sempre foi o mesmo e sempre será o mesmo, ainda que se multiplique por bilhões sempre formará um só. É assim que conhecemos se estamos nele.