sábado, 20 de abril de 2013

E Ele estava no último

Eis que os homens estavam todos com grande medo uns dos outros. Ninguém mais podia confiar em ninguém. Em função disso, havia uma precaução muito grande em relação ao outro. Todas as ações estavam cuidadosamente regulamentadas e as câmaras eram como olhos gigantes que tudo observavam. As casas eram como pequenas prisões, mas mesmo dentro delas não havia segurança. Os pais desconfiavam de seus próprios filhos e estes dos pais. Marido e mulher tinham perdido a noção do amor profundo, da união perfeita e da unidade familiar. Era então o ser humano uma partícula desconexa entre bilhões, incapaz de unir-se plenamente a qualquer uma delas. A desconfiança instalara-se em todos os âmbitos de sua vida e uma solidão tenebrosa abateu-se sobre ele.
Então do céu ouviu-se um grande estrondo e era uma voz que dizia: “O meu filho está novamente em carne e osso entre vocês. Ele vai agora trazê-los definitivamente para mim. O vosso desafio consiste em encontrá-lo. Como nesses últimos dois mil anos ele foi muito surrado, teve seu rosto deformado, sofreu grandes dores, sua memória se apagou, não consegue mais se lembrar de quem ele é. Somente quando ele for encontrado e salvo, assim como ele sempre salvou, ele recobrará a sua lucidez e todos os seus poderes.”
Esta voz trouxe para terra uma grande corrida, e desta vez não era uma corrida em busca de metais preciosos. Um pai levou para dentro de casa um mendigo e a família se juntou em torno dele. Banharam-no em água de cheiro, trouxeram-lhe as melhores roupas, cuidaram das suas feridas. Em outra casa, o filho resolveu trazer da rua um viciado em crack. Na casa vizinha a mãe apoiou a filha a dividir o quarto com uma prostituta. Criou-se um verdadeiro caos na busca por ele. Nos hospitais, nos asilos, nas prisões, nos orfanatos fazia-se lista de espera para levar um deles para dentro de casa e devolver-lhe a segurança e o conforto de viver. Em pouco tempo, assim como quando se constrói um estádio de futebol para a copa do mundo, a cidade ficou perfeita. Isto irritava os moradores, não queriam a perfeição. Não antes de encontrá-lo.
Então foram buscá-lo em outras cidades, em outros países. Houve uma grande corrida rumo a África. Mas ali também em pouco tempo, esgotaram-se as possibilidades. Alguns enlouqueceram completamente e colocavam placas em suas casas: “Ao ladrão que entrar nesta casa, pertencem todos os meus bens.” Quando já não se encontrava mais sobre a terra nem sem teto nem sem terra, a concorrência se acirrou ainda mais. Era como nos Jogos Olímpicos. Para desafiar o vizinho, o Eiri Bautista, homem absolutamente rico, publicou no jornal o seguinte anúncio: “Procura-se pessoa humilde para trocar de residência comigo.” Como não encontrasse ninguém ficou irritado e aumentou a oferta: “Estou doando todos os meus bens ao homem mais pobre deste planeta.” Os mais ricos ficaram enfurecidos com esta provocação e fizeram o mesmo.
Ao final desta disputa a terra estava como que rejuvenecida. Caíram as grades, os muros, as fronteiras. Também as águas, o ar e as florestas recobraram a sua força, porque os homens acharam que ele poderia estar nelas. Quando tudo estava perfeito, sentindo-se exaustos e felizes por tê-lo procurado, como ao final de um grande jogo ou de uma grande batalha, a humanidade descansou.

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